O ônibus com os alunos parte às cinco em ponto da praça central em direção à Joinville. A viagem de quase duas horas até a faculdade na principal cidade do Vale Europeu é tranquila, pelas boas estradas do interior catarinense. Tatiana encara essa rotina desde que decidiu cursar Serviço Social na modalidade presencial, disponível apenas no município vizinho.
Márcio é um dos quarenta estudantes que dividem o ônibus com ela. Aluno de engenharia, estar próximo de Tatiana é sua principal motivação para enfrentar o desafio diário de estudar em outra cidade.
Aos dezenove anos, filha de mãe alemã e pai brasileiro, ela é dona de uma beleza ímpar, com longos cabelos loiros e olhos claros encantadores. Márcio, ele também descendente de alemães, é forte, alto e não passa despercebido no auge de seus vinte anos. Aos poucos os jovens se aproximam.
A abordagem de Márcio não passa das conversas iniciais. Tatiana está namorando e, fiel aos ensinamentos de sua mãe e à fé cristã, deixa claro ao novo amigo que ele não passará disso, um amigo.
Ele se mantém próximo, sem avançar o sinal, acompanhando o namoro dela e, em segredo, torcendo pelo fracasso daquele relacionamento.
Quase um ano depois, a tristeza de Tatiana naquela tarde deixa Márcio transbordando de alegria: ela conta que terminou com o namorado. Ele faz o esperado: a acolhe e oferece os ouvidos para que ela possa desabafar.
Semanas depois, com o fim do namoro superado, Tatiana decide dar uma chance ao jovem estudante de engenharia. Logo estão namorando e as famílias se encantam com o novo casal. Com alguns meses de namoro, decidem se casar e o fazem em uma cerimônia tradicional na igreja, com o pai de Tatiana a conduzindo ao altar.
Ainda estudantes, o novo casal mora na casa dos pais dela. Continuam a rotina de estudos, agora casados, e fazem planos. Tatiana quer um casal de filhos, Márcio prefere construir uma segurança financeira antes de pensar nisso.
Depois de formados, os jovens buscam oportunidades no mercado de trabalho. Os empregos públicos os atraem, principalmente pela segurança da estabilidade. O casal participa de vários concursos e editais nos municípios da região. Vagas temporárias nos municípios vizinhos marcam o início da carreira nas profissões que escolheram. A rotina segue pesada, mas agora há dinheiro entrando. Márcio assume a frente das finanças do casal e começa a guardar dinheiro.
Aproveitando o dinheiro guardado, o casal visita Beto Carreiro em um feriado prolongado. Tatiana é fã dos brinquedos radicais e fica eufórica quando vê a FireWhip. A possibilidade de experimentar a nova montanha-russa a faz encarar com alegria três horas de fila. Márcio a acompanha, advertindo-a, o tempo todo, que ele não irá. O tempo na espera é dividido, com ele insistindo que não pretende encarar e que o passeio é arriscado e ela pedindo que ele a acompanhe e dizendo que não existe perigo. Quando chega a vez, Márcio mantém sua posição e Tatiana decide não ir sozinha. Perderam três horas nessa história.
Ela é aprovada em um concurso na prefeitura de Urubici e isso muda a rotina do casal. Tatiana passa a semana na cidade, morando em uma pequena casa alugada. Volta aos finais de semana para visitar o marido. Uma vez por mês Márcio faz o caminho inverso e passa o Sábado e o Domingo com a esposa.
Após alguns meses nessa rotina, Tatiana descobre que está grávida. Ela tinha recém trocado o contraceptivo, que falhou. Márcio recebe a notícia com muita surpresa, contrastando com a alegria dela. A gravidez a ajuda a superar o luto que vive pela morte recente de seu pai.
Próximo do nascimento da filha, Tatiana aproveita a licença maternidade para retornar para casa. Faltando semanas para o parto, Márcio consegue um bom emprego em Guabiruba e o casal se muda para lá. Na pequena casa alugada, a filha nasce. Sem planos de retornar para o trabalho em Urubici, Tatiana pede exoneração após o encerramento da licença.
Em Guabiruba, a falta de vaga nas creches públicas para sua filha impede que ela consiga um emprego. A rotina de Tatiana passa a ser cuidar da casa e da pequena, enquanto Márcio trabalha. Ele muda de emprego, de cidade, e eles continuam nesta rotina: trabalhar, zelar pela criança, administrar a casa e economizar dinheiro.
Após alguns anos para lá e para cá, eles voltam para a casa da mãe dela, que havia se separado do pai. Com uma rede de apoio e tendo conseguido uma vaga na creche para a filha, Tatiana volta a estudar e participar dos concursos.
Ela é aprovada em um concurso na prefeitura de Florianópolis e volta a trabalhar. Agora, com os dois trabalhando, e com o apoio do pai dele, que os presenteia com um terreno, decidem construir a casa própria. Aos poucos, a disciplina financeira vai gerando frutos.
Tatiana lamenta a ausência de aventuras e propõe alguns passeios, em especial os relacionados a esportes radicais. Márcio mantém os pés no chão e veta sistematicamente as sugestões da esposa. Quando ela propõe uma aventura de rafting, ele menciona matérias que assistiu acerca do perigo da atividade, a respeito do barco que furou e até mesmo em relação ao instrutor que se afogou. Ao final, a vontade dele prevalece e os passeios sugeridos por ela não saem do papel.
Durante esses anos, o casal lidou com várias crises, com Tatiana pedindo mais aventuras e Márcio mantendo os pés no chão. Usando a tática de evitar a conversa, acreditando que o tempo faria o problema passar, ele fugia sistematicamente do enfrentamento com a esposa.
Uma dessas crises foi mais grave: Márcio se envolveu com outra mulher e a engravidou. Tatiana tomou a decisão de perdoar e manter o casamento. Por decisão da mãe da criança, Márcio não mantém contato com o filho.
Um efeito colateral da rotina e das crises foi o ganho de peso de Tatiana. Aquela menina linda e esbelta que Márcio conheceu no ônibus a caminho de Joinville ganha quase vinte quilos em menos de dez anos. Isso afeta sua autoestima.
No trabalho, Tatiana atua com uma pedagoga. Formam uma bela dupla, até que a pedagoga é transferida para outra área. Depois de alguns meses atuando sozinha, um pedagogo de outra cidade é selecionado para a vaga.
O primeiro encontro com ele é cheio de expectativa. E eles se dão muito bem. Pedro se mostra um profissional muito atencioso e um bom ouvinte. Logo a dupla está afinada e atuando com sucesso.
Pedro é um ouvinte habilidoso e Tatiana se sente à vontade com ele. Os colegas começam a se abrir e compartilhar as agruras de suas vidas. Ela verbaliza as frustrações com o marido conservador, que contrasta com seu espírito aventureiro. Também reclama das diferenças entre ele e a namorada, ao mesmo tempo que se considera em dívida com ela por sempre o apoiar, principalmente quando pensou em desistir de tudo e voltar para a casa dos pais. Ele ainda conta que não quer permanecer no emprego, pois seu desejo é atuar em outra área. Tatiana percebe que os desejos dele não correspondem às suas ações e o acha acomodado.
As conversas diárias se tornam uma luz nos dias cinzentos de Tatiana. Um evento em Florianópolis a ajuda a entender o que ela está vivendo. Em uma conversa informal, ela descobre que Pedro foi convocado por concurso público e tem trinta dias para decidir se aceita ou não a vaga em outro município.
A aflição que sente com aquela notícia e com o possível afastamento do colega faz Tatiana perceber o óbvio: está apaixonada por Pedro. Além de lidar com aquilo, outra questão passa a dominar seus pensamentos: será recíproco?
De volta ao trabalho, agora ciente de sua paixão, ela começa a busca por informações. Ou por sinais de confirmação. E aos poucos vai acumulando sinais de que Pedro também sente o que ela sente.
A primeira grande pista surge quando ele recusa a vaga no concurso. Ele justifica isso com uma análise detalhada. Discute a distância da cidade, implicando mais tempo longe da namorada. Avalia a remuneração semelhante, considerando o gasto extra com combustível. Contempla a área de atuação, que não é sua preferida. E considera a mudança de ambiente, que o privaria do convívio com Tatiana. Ouvir ele verbalizar que se afastar dela teve peso na decisão a encantou.
Outras pistas menores vão surgindo e ela fica à vontade para se abrir com ele. Aos poucos vai deixando claro que seu casamento não está bem, que está pensando em se separar e que admira Pedro.
As borboletas que ela sente no estômago produzem efeitos colaterais e Tatiana retoma as atividades físicas e o controle da alimentação. Com a disciplina de uma dieta regrada e exercícios diários, os resultados logo aparecem. Em alguns meses, o corpo dela muda e a autoestima volta com força. Ela começa a se admirar no espelho do banheiro como há tempos não fazia.
Outro grande sinal emitido por Pedro é quando ele diz que só não aconteceu algo entre eles porque eles são pessoas comprometidas e fiéis. Ela percebe que precisa tomar decisões.
Tatiana pede a separação e sai de casa. Junto com sua filha, volta a morar na casa da mãe. Márcio tem dificuldade em entender os motivos da mulher e ela é inabalável: deseja a separação e não reconsiderará. Não existe conflito entre o casal e Márcio afirma que faria tudo ao seu alcance para resolver. O tempo acabou, diz Tatiana.
Na manhã seguinte, após voltar para a casa da mãe, Tatiana está muito ansiosa para encontrar Pedro e mostrar sua mão sem aliança.
A reação de Pedro não é a que Tatiana esperava. Ele a acolhe, dá conselhos e a apoia. Mas não dá sinais de que fará o que ela fez e que ficarão juntos. Ela entende que ele está com medo de tomar essa decisão.
Tatiana abre o jogo com Pedro. Fala de sua paixão e de seu amor. Diz que tomou a decisão para que possam ficar juntos. Deixa claro que não o está cobrando, pois ele nunca assumiu compromisso com ela. Mas diz que espera que eles permaneçam juntos. Pedro diz que ficará com a namorada.
A frustração de Tatiana é enorme. Em casa, depois de chorar bastante, ela repassa os acontecimentos das últimas semanas e tem certeza de que tomou as decisões corretas. Seu casamento não era fonte de alegria há muito tempo. A falta de atividades físicas era uma ameaça à sua saúde. E a paixão por Pedro é algo pelo qual valeu a pena lutar. Apenas uma coisa a incomoda: por que ele tem medo de ficar com ela?
Nas semanas seguintes, Tatiana passa a perceber sinais do inconsciente de Pedro, de que ele a quer, mas não tem coragem de deixar a namorada. Ela cultiva a esperança de que mais cedo ou mais tarde ele mude sua decisão e fique com ela.
Ela mantém a rotina de atividades físicas e os resultados continuam a aparecer. Já foram dez quilos eliminados e teve que renovar o guarda-roupas.
Nascida no litoral, Tatiana cultiva o desejo de voltar para lá. Fazer isso significa mudanças grandes em sua vida e de sua filha. A pequena se afastará do convívio com o pai, mudará de escola e de amizades. Tatiana deixará seu trabalho e o suporte fornecido pela sua mãe. Também deixará para trás a esperança de ficar com Pedro e abrirá seu coração para outras oportunidades.
Ficar é mais seguro. Mas foi por segurança que ela viveu onze anos em um casamento que a deixou frustrada.
Tatiana é intensa e guiada pelo seu coração. O som do mar a chama para o litoral. A segurança dos pés no chão grita para que ela fique no interior. A quem dar ouvidos?
Enquanto reflete e ora, ela ouve Hungria Hip Hop:
🎶Nada mais é como antes
Bem fácil o bastante pra ver
Difícil entender
Que o Sol de hoje
Não é mesmo de ontem🎶